segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A menina e o racismo



                Não acho que a menina seja racista. Ela cometeu um ato racista, isto é crime e ela deve ser punida por isso. Está na lei e é simples. O mais chocante para mim foi a entrevista de Wanderlei Luxemburgo sobre este assunto no dia seguinte, em que ele disse que estes xingamentos fazem parte do jogo. A meu ver, este é o grande ponto a ser discutido, o vale-tudo pela vitória.
                O futebol acabou se tornando uma grande vitrine da sociedade e de sua gana para vencer a qualquer custo. Da mesma forma que em uma empresa vale tudo para se chegar a cargos mais altos, passando por cima de qualquer regra ética, no futebol de hoje não importam os meios para se alcançar a vitória desejada. Quem assiste a jogos do Corinthians e vê a pressão que o time de Mano Menezes faz sobre a arbitragem em quase todos os lances sabe do que estou falando. Este tipo de “pressão” é normal. Chamar o adversário de macaco ou de viado não causa remorso, uma vez que só o que se quer é ver o adversário desestabilizado. A situação é tão normal que basta ver que ninguém que está perto da menina gremista a questiona quando ela faz isso. Ela muito provavelmente não se acha superior a Aranha por ser branca. Só queria que ele frangasse. Do mesmo jeito que as pessoas que gritavam “viado” cada vez que o Richarlysson pegava na bola. Sendo assim, o chocante do ato no RS não foi o ato em si, mas a banalidade com que ocorreu.
                A menina agora virou a vidraça e todos têm a pedra. Criticá-la significa se mostrar alguém não racista e ganhar curtidas no facebook. Ela virou uma espécie de Wilson Simonal do tema. Destruir a vida dela é fácil, ela é um nada que não conhecemos, que está distante, que cometeu um erro e que ninguém viverá o sofrimento dela. Ela que se foda.
                O racismo no Brasil é perigoso por ser implícito e porque só o questionamos quando ele é visível. Não o enxergamos quando não notamos, por exemplo, para alguém de classe média como eu, que quase não temos colegas de trabalho negros ou que pouquíssimas pessoas negras têm cargos de chefia. É perigoso porque não interfere na vida de muitas pessoas que não enxergam a desigualdade, usando como argumento o fato de que, apesar das dificuldades, uma ou outra pessoa se sobressai, esquecendo as outras milhares que não obtêm o mesmo sucesso. Se você é contra cota racial, provavelmente já falou isso alguma vez. Mas enfrentar o racismo de verdade não é tão fácil e legal quando postar algo falando que a gaúcha tem que se foder.
                Na nossa sociedade o que importa é sobressair. Apenas a história dos vencedores é lembrada. Para isto, qualquer coisa vale. A menina só quis vencer. Estava no lugar errado na hora errada. Ela deveria servir para ensinar que tentar vencer a qualquer custo não vale a pena.  A base da cidadania é o respeito e a educação, mas não enxergamos isto como sucesso. Ser bem-sucedido é vencer. Rouba, mas faz. A menina não é um símbolo do que há de pior. É apenas mais uma a cair na roleta russa dos triunfadores.