terça-feira, 22 de novembro de 2016

A PM, o traficante, a Fátima e o analfabetismo funcional


A polarização das opiniões brasileiras transformou qualquer discussão em uma partida de futebol. Percebe-se no país que não há intersecções nos conjuntos, não há mistura de cores na formação da nossa aquarela.

Cada vez mais o embate “direita x esquerda” ganha contornos de intolerância. O recente desmantelamento do principal partido de esquerda do país licenciou boa parte da população a soltar todos os seus preconceitos guardados. Quando digo boa parte não entenda maioria, porque a maioria dos integrantes do impeachment era apenas descontente com as condições econômicas e clamava por mudança mesmo que ao custo da democracia.

A ideia desse texto não é discutir impeachment ou conceitos de capitalismo e comunismo, a sociedade já é demasiadamente inflamada por esses assuntos nas redes sociais. Quero discutir se as pessoas estão se ouvindo, quero saber se as perguntas feitas a elas são compreendidas corretamente e se as respostas são dadas com alguma sensatez. Quero medir quanto o ódio está moldando o caráter e a capacidade de decidir entre o certo e o errado.

Fátima Bernardes pode ter sido vítima do analfabetismo funcional brasileiro. Como todos sabem, em seu programa a apresentadora apenas mediava um debate sobre quem as pessoas atenderiam primeiro: um policial levemente ferido ou um traficante gravemente ferido. Fátima em nenhum momento toma posição sobre qual resposta daria, ela observa o comportamento dos participantes e convida um médico, que dá sua opinião favorável à maioria. Esse é o primeiro ponto de incômodo. Porque pegar a apresentadora, deturpar o fato e imputá-la opiniões que não desferiu? Fazer um debate sobre o comportamento da nossa sociedade em decisões extremas é prejudicial aos policiais?

Fátima foi mais uma vítima da polarização e da falta da informação. Provavelmente a maioria das pessoas que agrediu a apresentadora nem sequer assistiu ao programa e deve ter se baseado por manchetes de Facebook do tipo “Fátima Bernardes defende traficante”. Está certo contribuir para esse julgamento? Todas as pessoas que fizeram a escolha “pelo traficante” estavam erradas e defendem bandido? Houve sensacionalismo na pulverização digital da notícia?

Segundo ponto de conflito na discussão: estão as pessoas erradas em atender primeiro o bandido mais grave? Nessa reflexão entra o conflito entre os fascistas do “bandido bom é bandido morto” e aquela “galerinha dos direitos humanos para bandido”. As únicas coisas que não entraram nessa discussão foram as mais importantes para o ponto: o papel da medicina e da justiça em uma sociedade.
Pelo o que estudei, o papel da medicina é salvar vidas e o papel da justiça é aplicar a lei. É isso, por mais que doa nos defensores do abominável crossover médico + juiz, um Frankenstein de estetoscópio e toga. Não é difícil entender que o médico é obrigado, inclusive por lei, a não fazer distinções entre pacientes, seja Deus ou o diabo. Também é notório que vivemos em uma sociedade desigual e violenta, em que às vezes o policial assume um papel de homem mau, descumpridor das leis que promete defender, um miliciano, por exemplo. Os médicos teriam a capacidade de, caso o critério de atendimento seja o da idoneidade, avaliar essa situação? Quem faz mais mal à sociedade, o claro inimigo do estado ou o infiltrado travestido de agente do estado? Não importa, o mais grave primeiro.

Os descumpridores das leis merecem atendimento precário? Você que tomou 2 cervejinhas e assumiu o risco de matar ao volante deve ser preterido em caso de acidente? Médicos recém-formados já devem possuir um login e senha da Secretaria de Segurança Pública para ter acesso aos antecedentes dos pacientes? Será que o PM responde inquérito na corregedoria? Não importa, o mais grave primeiro.

Será que sou contra a polícia por caminhar até a coluna do traficante mais grave? Não acho. Penso que a polícia é essencial para a manutenção da ordem, principalmente em um país tão desigual como o nosso. No caso do PM/ Uber que matou 3 assaltantes eu fiquei do lado do PM, e embora tenha percebido que, pela lei, ele cometeu ao menos um “excesso” matando o assaltante desarmado, se eu fosse jurado no caso absolveria o réu sem nenhum peso na consciência e com a sensação do meu dever cumprido.

Você deve ter reparado que o texto é propositalmente cheio de pontos de interrogação. Essas são as perguntas que devemos nos fazer em casos como esse. Provavelmente se você respondeu todas essas perguntas sem sensacionalismos, conseguiu entender porque a maioria das pessoas no programa se encaminhou para a opção TRAFICANTE, como se estivessem no Tentação do Silvio Santos. 

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

NÃO USE UBER !


Sem entrar na questão da máfia de taxistas em São Paulo, por exemplo, que deveria ser combatida pelas administrações municipais e nunca foi, seja o prefeito Maluf, Marta, Serra ou Haddad, a profissão de taxista permitia ao profissional dar uma vida decente a ele e a sua família. Garantia a estes profissionais uma renda de classe média. Mas esta profissão está sendo substituída por um bico. O Uber é a precarização do trabalho, tendo para esta carreira os mesmos efeitos que a terceirização da CLT terá em outras carreiras.
O consumidor do Uber costuma ser feliz. “Pago beeeem menos que no táxi e ainda ganho bala e água” é a frase quase sempre repetida pelos seus usuários. O consumidor no sistema em que vivemos é quase endeusado e não costuma muito se preocupar com os impactos sociais de seu consumo, neste caso predatório. É no ato individual do consumo que encontramos a verdadeira “felicidade”, prega o sistema. Como um patrão que demite um funcionário com direitos trabalhistas e contrata para o lugar um jovem estagiário louco para mostrar serviço e sem direito algum, a sociedade está demitindo os taxistas para colocar no lugar os motoristas de Uber. Apenas para pagar menos.
O Uber é uma empresa americana que está criando um monopólio mundial no serviço de transporte de passageiros. Vem fazendo isto de forma desregulada e se aproveitando de pessoas normalmente em situações difíceis, dispostas a aceitar este emprego quase como um bico ou um complemento de renda. Cresce em locais com alto índice de desemprego ou em que há diminuição no nível de salários. Aposta em ganho de escala. Joga o custo lá embaixo e ganha muito com a quantidade de pessoas que se sujeitam à sua exploração. Ganhando um pouquinho com cada motorista, no final ganha um montão. Para o motorista que efetivamente realiza o trabalho, fica o pouquinho que não vira montão. O Uber é a destruição da profissão. Tudo com a concordância do consumidor egoísta, que só quer pagar menos sem nenhuma preocupação com o impacto social de seu consumo.
O capitalismo costuma destruir de forma sedutora. No caso do Uber é oferecendo bala e água. Mas o forte mesmo é o preço. Somos ensinados a querer pagar sempre menos e a não assumir nenhuma responsabilidade por aquilo que consumimos. O consumidor é rei e sempre inocente. Compramos Iphones produzidos com trabalho escravo na Ásia. Mas o que nos incomoda não é a forma como ele é produzido, e sim a carga tributária que o torna “o Iphone mais caro mundo”. Pagava-se um pouco mais para permitir uma vida digna aos taxistas. Hoje paga-se menos para garantir a exploração de pessoas desesperadas por uma empresa americana.

Para enfrentar esta fase, é fundamental o consumo consciente. O racionalismo econômico nos diz que levamos em conta apenas o preço na tomada de decisão. Seja irracional então. Compre da pequena mercearia ao invés de comprar no hipermercado. Sempre que possível, lembre que o seu dinheiro pode ajudar um pai de família dono de um pequeno estabelecimento a comprar um presente para o filho ao invés de ajudar um CEO de terno a viajar para Miami com o dinheiro do bônus que ele recebeu por demitir funcionários com o belo nome de “reestruturação”. E não use Uber. Seu dinheiro pode ajudar a garantir uma vida digna a um motorista ao invés de financiar um sistema destrutivo de desvalorização do trabalho. 

quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Donald Trump e a consagração do culto à celebridade


Donald Trump é a primeira pessoa com o título de “celebridade” a chegar oficialmente ao cargo de homem mais poderoso do mundo. Em nossa era, celebridade é tudo que a maioria quer ser. São as pessoas mais admiradas e copiadas. Quase ninguém sabe o nome do último Nobel de nada, mas muita gente sabe qual a foi a última gafe da Paris Hilton. Mais do que as muitas causas da vitória de Trump, como a clara guinada do Ocidente à direita, é importante analisar o papel que o fato dele ser uma celebridade teve para que ele se apresentasse como uma opção à classe mais detestada pela multidão enfurecida, a dos políticos.
O culto à celebridade é fruto do desenvolvimento da publicidade e surge hoje como opção capitalista ao culto de personalidade do comunismo. O desenvolvimento dos meios de comunicação, especialmente com o surgimento da televisão nos anos 1950, levou a publicidade a outros patamares, com um público antes inimaginável aparecendo como mercado consumidor de produtos e necessidades inúteis que antes eram inatingíveis. Neste contexto, a Publicidade criou heróis, pessoas quase perfeitas que deveriam ser copiadas por um público de vida comum, mas disposto a comprar um produto que o aproximaria desses seres incríveis. O esporte, o cinema e a música apareceram como os primeiros meios que a publicidade enxergou para levar seus produtos ao grande público. Não à toa Marilyn Monroe e Elvis Presley surgiram nesta época. Mais do que ícones, eles vendiam e era fundamental dar-lhes este status de “pessoas que estavam mudando” tudo, mesmo que seus sucessos fossem muitas vezes insignificantes para o rumo da humanidade. Algumas celebridades, como Lennon e Ali, tentaram fugir a este estereótipo, mas foram logo combatidos na época em que se rebelavam contra o andamento das coisas. Com o tempo, após a morte do primeiro e a doença do segundo, perderam a capacidade de mudar algo e foram incorporados pela publicidade. A imagem dos dois ajudou a vender tênis. A publicidade gosta de rebeldia, desde que ela tenha acontecido e sido derrotada no passado. Quem sabe daqui a 30 anos não veremos propagandas com a ocupação das escolas contra a PEC 241?
Ser celebridade parece fácil e muitas vezes acessível. Isto atrai e cria muitas vezes uma esperança de riqueza, alvo máximo da felicidade no sistema em que vivemos, e de importância. Na era do espetáculo, ser famoso é existir e é ser amado, exigindo muitas vezes pouco. Até os anos 1990, exigia-se pelo menos algum talento esportivo, como colocar uma esfera dentro de um retângulo com os pés, ou algum talento musical, como tocar guitarra girando no chão. A partir deste momento, passou a não exigir mais nem isto. A internet ampliou a capacidade de comunicação e de informação, boa parte das vezes inúteis, e a publicidade encontrou um público cada vez mais disposto a buscar informações rápidas e descartáveis. Assim, surgiu a celebridade instantânea, aquela que na maioria das vezes dura menos do que quinze minutos e que tem a fama alcançada sem nenhum tipo de talento, mesmo os que não mudam nada. Paris Hilton e Kim Kardashian ficaram famosas com vídeos pornôs vazados e hoje são capazes de vender tudo que chega perto delas.
Donald Trump já nasceu rico. Ficou ainda mais rico investindo bem o dinheiro do pai no mercado de imóveis. Mas isto não era suficiente. A glória no mundo atual não é dada apenas pelo dinheiro, mas também pela fama. Ser famoso é ser poderoso. Para isto, transformou-se em produto e começou a comprar intervalos comerciais em que ele era a grande atração. A mídia gostou e o transformou em figura carimbada de todo tipo de programa, em que falava muitas vezes como era bom ser rico e qual a solução que ele tinha para quase tudo que surgia como produto. Na era dos realities shows, inventou um em que era o patrão que julgava e demitia pobres coitados de terno, que sonhavam com um emprego e com um pouco da tão sonhada fama. Julgar, aquilo que o público deste tipo de programas mais gosta de fazer. Demitir, aquilo que tem que acontecer com incompetentes e malvados na visão deste mesmo público. Um emprego, o grande prêmio de uma parcela de pessoas que encontram no trabalho a única forma de dizer que tem uma vida decente.
Julgar e demitir políticos. Isto que a mídia nos ensina a fazer. A culpa é toda deles. Nossa sociedade é perfeita e seria ideal, se não fossem estes sanguessugas que destroem tudo. Que muitas vezes nos prejudicam na missão de conseguir aquilo que permite que tenhamos uma vida digna e que possamos comprar as coisas que a publicidade diz que precisamos, um emprego. Ter um emprego é a grande meta daqueles que ainda não conseguiram ser celebridades. É o que muitas vezes permita que se compra os produtos inúteis vendidos por ela. Para isto, vale tudo. Até expulsar imigrantes que realizam os trabalhos que muitas vezes ninguém quer realizar. Vivemos desde 2008 a primeira grande crise do capitalismo desde a explosão da importância das celebridades. As pessoas estão com ódio, julgando e loucas para demitir. Encontraram nos EUA em Trump a pessoa perfeita para fazer isto. Ele é rico e famoso, logo bem-sucedido, e tem uma mensagem de vingança, quase como uma punição à classe que a mídia responsabiliza por todos os problemas existentes. Falar mal de político vende. Falar mal do público não.
A eleição de Trump levará muito provavelmente à explosão no número de celebridades que ingressam na política em todo mundo. A eleição de João Doria Jr. em SP já é um primeiro exemplo disso, lembrando que a candidatura dele surgiu após a entrada de Trump na corrida presidencial e que parte de seu discurso, o da rejeição à política, é o mesmo. Graves crises exigem salvadores e ninguém é mais capaz de atingir este papel hoje do que uma grande celebridade. Ser famoso é ter poder. Na mediocridade da sociedade atual, literalmente. Termino com esta frase de José Arbex Jr. no livro Showrnalismo: a notícia como espetáculo, comentando o livro A Sociedade do Espetáculo, do filósofo francês Guy Debord:

“‘O espetáculo – diz Debord – consiste na multiplicação de ícones e imagens, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também dos rituais políticos, religiosos e hábitos de consumo, de tudo aquilo que falta à vida real do homem comum: celebridades, atores, políticos, personalidades, gurus, mensagens publicitárias – tudo transmite uma sensação de permanente aventura, felicidade, grandiosidade e ousadia. O espetáculo é a aparência que confere integridade e sentido a uma sociedade esfacelada e dividida. É a forma mais elaborada de uma sociedade que desenvolveu ao extremo o ‘fetichismo da mercadoria’ (felicidade identifica-se a consumo). Os meios de comunicação de massa – diz Debord – são apenas ‘a manifestação superficial mais esmagadora da sociedade do espetáculo, que faz do indivíduo um ser infeliz, anônimo e solitário em meio à massa de consumidores’’.

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Por que dizemos que foi golpe?


Era 01/04/1964. Neste dia, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzili, declarou vaga a Presidência da República, anunciando que o presidente legítimo João Goulart havia abandonado o país. Dizia a Constituição de 1945 que, estando vaga a presidência da República e não havendo mais vice para suceder o titular, a mesma seria exercida pelo presidente da Câmara, que deveria em 15 dias convocar uma eleição indireta no Congresso que elegeria o novo presidente para terminar o mandato. Assim foi feito e em 15/04/1964 o Congresso elegeu o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco para a presidência, em eleição acompanhada pelo presidente do Senado e pelo presidente do Supremo, que estavam lá para garantir que tudo ocorresse conforme previsto pela Constituição. Por que chamamos 1964 de golpe então? Porque João Goulart não havia abandonado a presidência. O golpe está na declaração de vacância da Presidência da República. O fato de que todo o processo foi realizado em seguida em conformidade com a Constituição não o legitima.
Dilma Rousseff foi reeleita presidenta do Brasil em outubro de 2014 e assumiu o seu segundo mandato em 01/01/2015. A primeira grande manifestação pedindo seu afastamento ocorreu em 15/03/2015, exatamente 75 dias após a sua posse. Aproximadamente sete meses antes do Tribunal de Contas da União recomendar a rejeição dqw contas da presidenta no ano eleitoral de 2014. Ou seja, já havia um claro interesse de uma parcela significativa da população em afastar a presidenta eleita antes mesmo que houvesse um crime que a afastasse. Em qualquer relação lógica, temos uma causa que gera uma consequência. No caso deste impeachment, primeiro tivemos a consequência e em seguida foi-se buscar uma causa.
A revista Piauí deste mês (novembro/2016) traz um perfil da advogada Janaina Paschoal, “mentora-intelectual” do impeachment/golpe. Ela diz que chorou com a reeleição de Dilma e que a partir daquele momento sentia que era uma espécie de “missão divina” tirar o PT do poder. Em junho de 2015, três meses após a primeira grande manifestação e quatro meses antes da reprovação das contas, Janaina saiu procurando alguém que a ajudasse nesta missão. Os motivos dados por ela eram muitos: Venezuela, Cuba, bolivarianismo, roubalheira na Petrobrás, economia e muitas outras razões, boa parte lunáticas, para desrespeitar a vontade popular expressa menos de um ano antes. Menos as tais pedaladas. Após ser recusada por boa parte dos partidos, inclusive o PSDB, encontrou apoio em duas pessoas: Helio Bicudo, ex-vice prefeito de SP na gestão de Marta Suplicy que havia se decepcionado com a gestão petista e Miguel Reale Jr., filho de um dos líderes do movimento integralista dos anos 1930. Após árdua procura, em outubro “encontraram” um motivo que permitisse algo que talvez justificasse a abertura de um processo de afastamento, mas ainda dependia da boa vontade do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. A boa vontade veio em dezembro, quando ao não conseguir apoio petista contra seu processo de cassação, Cunha aceitou o pedido. O que veio depois, todos já sabem.
Um dos principais argumentos daqueles que dizem que não foi golpe é que o processo foi todo conforme a Constituição e que o STF acompanhou todo o processo. Como em 1964, o fato do processo ter sido seguido conforme previsto pela Constituição não o torna legal caso o seu início tenha sido feito com um argumento fajuto. O julgamento da Câmara aconteceu em março e os julgamentos do Senado ocorreram em maio e agosto. O TCU julgou as mesmas ilegais apenas no final de junho. Dilma foi condenada, portanto, por um “crime” que ainda não havia nem sido julgado pelo órgão competente em boa parte do processo. A anuência do Supremo ao processo, portanto, não o legitima. Não entrando no mérito de que outros governadores também usaram este expediente, o processo contra Dilma por este motivo poderia começar apenas em junho.

Por último, o resultado desastroso do PT nas eleições municipais de 2016 demonstra para alguns que houve apoio popular para o impeachment e isto o legitima. Na primeira eleição legislativa após o golpe de 1964, ocorrida em 1970, a ARENA, partido de apoio aos militares, recebeu aproximadamente 72%. Todas as pessoas que usam os argumentos citados acima (participação do Supremo, uso do processo citado na Constituição e resultado eleitoral da eleição seguinte) para justificar a legitimidade do processo de 2016 os usariam para justificar o processo de 1964. Assim como em 1964, o processo de 2016 foi iniciado por um argumento fajuto. No processo de “salvação”, o Poder Judiciário faz o papel que era dos militares. Este Poder é aplaudido e bajulado pela mídia cada vez que interfere nos outros poderes e ameaça com punições àqueles que ousam criticá-los. Votarão uma lei que pode impedir Renan Calheiros de permanecer na linha sucessória pouco depois deste criticar um juiz, para júbilo de quase todos. A consequência disso com o decorrer do tempo ainda não se sabe. Sabemos, porém, que o governo Dilma foi derrubado por sua ineficiência na área econômica e o suposto “crime” foi apenas uma desculpa encontrada para resolver o “problema” criado pelas urnas. Algo que só poderia ser resolvido de forma legítima em 2018. A democracia no país saiu disso tudo mais frágil e viveremos estas turbulências em todo momento de crise econômica. Se sairemos disso como uma ditadura? Em 1965 muitos achavam que não. Em 2016, já não somos uma democracia perfeita. Aceitamos que o Poder Judiciário influencie como nunca na política e que uma pessoa seja acusada com base em convicções, não em provas. Na semana passada, uma peça de teatro de rua foi interrompida pela polícia por causa de seu conteúdo político. A história nos ensina onde isto vai dar. Há coisas mais sérias do que a crise econômica acontecendo. Como em 1964...