terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Como o Brasil me transformou em petralha


Nunca votei no PT num primeiro turno de eleição presidencial. Minha primeira ida às urnas foi em 2002 e de lá pra cá, mesmo no auge da era Lula, em que ele tinha mais de 80% de popularidade, em nenhuma vez apertei 13 na urna num primeiro turno. Hoje, apesar de gostar muito de Ciro Gomes, tenho sentido uma enorme disposição de votar no PT num primeiro turno presidencial, seja em Lula ou em quem ele apoiar. O motivo é simples. O processo vivido no país a partir da incapacidade tucana em reconhecer a vitória de Dilma Rousseff em 2014 me transformou num petralha.
Sempre enxerguei qualidades e defeitos na gestão petista. Avançamos como país, e muito, no combate à fome, à desigualdade e em educação. Saímos do mapa da extrema pobreza e um número gigantesco de pessoas teve acesso ao ensino superior. Pioramos nas áreas de violência pública e de saúde. Na primeira, com participação óbvia do governo tucano de SP, que assistiu ao surgimento da maior facção criminosa da história do país dentro dos presídios por ela geridos. A maior falha petista nesta área, porém, está no incentivo ao consumismo, maior causa de nossa violência. Não à toa os dados deste assunto continuaram piorando enquanto quase todos os dados sociais evoluíam. Fora isto, também estou longe de ser um cara estatista. Acredito, por exemplo, que o processo de privatizações das rodovias estaduais promovido pela gestão tucana em SP é um grande sucesso.
Independente de erros e acertos, sou acima de tudo um democrata. Acho que todas as opiniões sobre erros e acertos em políticas públicas e sobre participação maior ou menor do Estado na economia são válidas. Respeito a vontade das urnas e o tipo de gestão por ela escolhido. Acredito também que a vontade da maioria sobre estes assuntos deve ser sempre respeitada, cabendo ao Poder Judiciário intervir nos outros poderes apenas para garantir direitos a minorias. Impedir uma ditadura da maioria, como diria Tocqueville.
O meu processo de petralhização (ou petralização, não sei se ponho h ou não, mas acho isso indiferente) começou com as eleições de 2014. A partir do momento em que o PSDB escolheu Aécio Neves como seu candidato, ficou muito claro que a prioridade naquele momento seria impedir sua vitória. Todo mundo sabia quem Aécio era. Sim, todo mundo. As pessoas que votaram nele para “combater a corrupção” são todas picaretas. Sim, todas. Se você argumentava que o Brasil estava indo para o caminho errado economicamente com Dilma, você merece consideração. Agora, se você está lendo este texto e usava este argumento contra a corrupção para votar em Aécio, você é picareta. Todo mundo sabia que Aécio era um playboy irresponsável, corrupto e de tendências autoritárias, que perseguiu diversos jornalistas em seu estado, que governava MG enquanto morava no Leblon. Fui de Marina no primeiro turno, apenas para tentar impedir Aécio de chegar ao segundo turno, e fui de Dilma no segundo, com toda convicção. A incapacidade de Aécio em aceitar a derrota e a forma como ele pôs fogo no país após o pleito mostraram que a minha análise sobre o caráter deste triste personagem da política brasileira estava correta.
Uma semana após a eleição, um pequeno grupo de jovens reacionários, bradando contra uma fraude que só existiu na cabeça deles, marcou sua primeira passeata pedindo o impeachment de Dilma Rousseff. Isto antes mesmo dela assumir. A mídia passou a incentivar estes jovens lunáticos, dando espaço para um deles inclusive em colunas “jornalísticas”. O PSDB abriu seu espaço para estes jovens enquanto o Poder Judiciário passou a ser idolatrado pela mídia. “Mais 4 anos de Dilma não dá”. E começou a guerra.
Dois meses e meio após a posse de Dilma, o movimento dos jovens lunáticos levaria mais de um milhão de pessoas para as ruas de São Paulo num domingo. A mídia passou a semana inteira convocando pessoas para as manifestações, “pacíficas e repletas de famílias”, como adoravam repetir os repórteres. Sem violência, segundo eles. Com placas defendendo a volta de ditadura e da tortura. Intervenção militar já. Algumas pediam a volta da monarquia. Outras placas traziam suásticas desenhadas. Manifestantes chamavam Dilma de todos os nomes. Pediam pena de morte, agrediam quem vestia vermelho, xingavam quem pensasse diferente. Para a mídia, isto não era violência.
O Poder Judiciário, único não-democrático e mais podre dos poderes, era cada vez mais endeusado. Surgiu um “herói”, o juiz que acusava e prendia os petistas corruptos. Um juiz que se põe acima da lei e ganha prêmios por isso. Um pequeno tirano. Enquanto os políticos de aluguel abandonavam o governo Dilma e já ensaiavam como voltar ao governo após sua saída, o juiz “herói” descumpria a lei e era idolatrado por isso. Realizou a condução coercitiva de Lula sem que este fosse anteriormente convocado para depor e, na talvez mais absurda medida deste processo todo, divulgou na mídia ilegalmente conversas telefônicas dele com a presidenta da República. Quem julga o juiz “herói”, afinal? Tudo isto na semana anterior à outra passeata gigantesca agendada pelos jovens lunáticos. Nesta mesma semana, uma revista semanal de informação trazia na capa a delação premiada de Delcídio Amaral, ex-senador petista, em que ele contava “tudo”. Um ano depois, o “tudo” se mostrou nada e a delação foi cancelada, mas serviu para inflar a classe média novamente. Lá estavam eles na Avenida Paulista de novo, vestindo verde-e-amarelo na passeata “pacífica” promovida pelos jovens lunáticos. Jair Bolsonaro, deputado fascista, foi ovacionado ao chegar ao local. Em seu voto na sessão de impeachment, homenageou o torturador que havia torturado Dilma na juventude. Isto numa sessão presidida por Eduardo Cunha, possivelmente a pessoa mais corrupta de todo o processo. O malvado favorito dos jovens lunáticos. Quem apoiou o impeachment apoiou tudo isto.
Passado o impeachment, era necessário impedir que Lula voltasse dois anos e meio depois. Legitimar o golpe. A mídia fez seu papel. Lula virou nas manchetes “o maior ladrão da história do mundo em todos os tempos”. O uso de manchetes mentirosas contra ele não é novidade, aliás. Quantas vezes não lemos ou ouvimos que ele estava preparando um terceiro mandato em 2010, ou que ele estava aparelhando o Judiciário (mesmo tendo indicado Joaquim Barbosa, que condenou vários petistas no Mensalão) ou que ele perseguia jornalistas (mesmo que nomes contrários a ele tenham efetivamente ganhado espaço na mídia por criticá-lo, como Diogo Mainardi, Rachel Sheherazade, Danilo Gentili, entre outros). E a principal, que seu filho seria dono da Friboi. Aquela que gravou Temer negociando e Aécio recebendo propina. A grande mídia brasileira foi na gestão Lula a precursora das Fake News, a arma hoje mais usada por bolsonetes e pelos jovens lunáticos.
Lula foi condenado pelo juiz “herói”. Por um apartamento que não é seu, por causa de uma reforma feita por uma construtora que queria vender este apartamento para ele. Sem provas, só com convicção. Um testemunho passou a servir para provar a posse de um imóvel. Num processo que gerou diversos debates no meio jurídico, Lula foi condenado por unanimidade na segunda instância, com concordância inclusive sobre a pena. Doze anos e um mês. Qualquer discordância poderia atrasar o processo. É preciso tirar Lula da jogada logo.
Um quinto do país votaria hoje em Bolsonaro, um candidato que defende a prática da tortura e diz que homossexualismo é uma doença que se combate com surra na infância. O mercado financeiro já se prepara para apoiá-lo caso não consiga emplacar o nome do governador tucano de SP citado no primeiro parágrafo, aquele da facção criminosa que hoje assusta o país. Já tentaram apostar num apresentador de TV, famoso por ser amigo de Aécio. Antes apostaram num lobista debilóide que, graças a um discurso de ódio, chegou à prefeitura da cidade que lotou a sua principal avenida seguindo os jovens lunáticos, que, aliás, hoje perseguem artistas e professores.

Veja a galera que odeia Lula e o PT. Olhe para a cara deles. Veja o rancor contra tudo que melhorou. Veja a forma como eles chamam todos de vagabundos, como expõem preconceitos, como só sabem argumentar xingando e gritando. Sou diferente deles e não quero estar ao lado dessa gente em situação alguma. Virei petralha, com orgulho!

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